quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Militares falecidos em Jaguarão fragmentos de vida (II)

Nos anos entre 1873-1874 ainda não era conhecido o poder dos microorganismos de causar doenças. O panorama geral que podemos levar em consideração é:
  • a falta de saneamento básico e os hábitos de higiene ignorados ou evitados;
  • a existência de ambientes alagados;
  • a conservação precária dos alimentos, provocando seu estrago;
  • a água estava frequentemente contaminada.
Tendo esse quadro como pano de fundo, observamos que entre os 37 óbitos de militares e seus familiares ocorridos em Jaguarão/RS (Militares falecidos em Jaguarão – fragmentos de vida I), apenas em dois registros não havia a “causa mortis”. Tal fato é interessante, pois nos permite uma ideia mais aproximada do que poderia matar naqueles momentos.
Tetano2 Nesses “fragmentos de vida”, queremos apresentar algumas doenças retiradas dos óbitos, trazendo aos leitores algumas reflexões do que era mortal.
Para ilustrar o entendimento que se tinha de algumas das patologias que atingiram nossa amostra, inserimos ao longo da apresentação recortes do Formulário e Guia Médico de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz em sua 19ª edição (1924).[1]
Uma questão a ser destacada nas “causa mortis” é a declaração do sintoma de alguma patologia, o que sempre nos leva a pensar no fator humano: quem, na realidade, foi o responsável em atribuir a causa do óbito? Teria sido o próprio sacerdote, que registra o termo?  Ou teria sido um médico  Abcesso2 ou alguém que tivesse algum tipo de formação para identificar “a causa”? Essas dúvidas são muito difíceis de serem sanadas, uma vez que o registro religioso católico não tem o declarante.
De qualquer modo, trabalhemos com os dados.
Na sequência, agrupamos as doenças identificadas como causadoras das mortes de forma bastante genérica e sem a excelência médica. Nossa intenção é apenas que o leitor tenha uma breve noção das possíveis potencialidades dos registros, assim como informar um assunto que é de extrema relevância nas pesquisas de nossas famílias.
A) DOENÇAS RELACIONADAS AO SISTEMA RESPIRATÓRIO
  • Pneumonia (bronco-pneumonia, pneumonia pulmonar)
  • Tuberculose (tubérculos pulmonares, tísica, tísica pulmonar)
  • Bronquite
Pneumonia2 A) DOENÇAS RELACIONADAS AO TRATO DIGESTIVO
  • Enterocolite
  • Gastrohepatite
  • Desinteria (diarréia)
B) DOENÇAS RELECIONADAS AO PARTO OU AO RECÉM NASCIDO
  • Eclampsia dos infantes
  • Mal de Umbigo (gangrena do umbigo)
  • Dentição
  • Trabalho de parto
Mal de Sete Dias2 A) DOENÇAS INFECCIOSAS (no momento, classificadas dessa forma, mas não diagnosticadas como tal)
  • Varíola
  • Meningite
  • Tétano
Eclampsia2 A) SINTOMAS
· Abscesso
· Hemorragia
· Ferimento
B) OUTRAS
  • Febre biliosa – febre tifóide.
  • Reumatismo – doença caracterizada pela dor, inchação e, às vezes, vermelhidão de uma ou mais juntas. Febre intensa.
  • Apoplexia - paralisia súbita do sentimento e do movimento. Causa: derramamento de sangue nas membranas cerebrais. Espontânea. Completa, ou não, extensa, ou não, durável, ou não.
  • Marasmo
Esses dados, ainda que parciais, podem servir para demonstrar as principais doenças que vitimavam a população de Jaguarão/RS naqueles momentos. É claro que, em razão de se tratar de região de fronteira, muitos males podem ter vindo do "outro lado do rio" ou o reverso, não se olvidando da condição de militar de nossos investigados.
Febre biliosa 12
Apesar de as causas dos falecimentos não apresentarem muitas diferenças em relação a outras cidades gaúchas na mesma época, podemos pensar que são indicativos de preocupação com a saúde pública e, por consequência, dos fins curativos.
Como exemplo disso, citamos Sérgio da Costa Franco e Ivo Stigger[2], em uma passagem sobre a epidemia de cólera-morbus. Referem os historiadores que, em meados de 1855 e 1856, essa epidemia devastou a população local como jamais ocorrido anteriormente.
"A epidemia percorria o mundo desde o início de 1855, tendo-se declarado em algumas províncias do norte do país já em setembro. No início de novembro, depois de manifestar-se em cidades do sul da Província (RIo Grande, Pelotas e Jaguarão), atingiu a capital de forma drástica. O número total de mortos, reconhecido pelo relatório do Barão de Muritiba, Presidente da Província, teria alcançado 1405 pessoas entre os meses de novembro de 1855 e fevereiro de 1856."
Tais palavras deixam claro que as doenças na época do Império passavam cidades, estados e fronteiras, tornando-se cíclicas e alvo de estudos da ciência médica, o que sem dúvidas estimulou o avanço na área, a criação de hospitais e o provimento de médicos aos mais necessitados.
Aoplexia2

[1] Outra obra de grande importância foi o Diccionario de Medicina popular editado pela primeira vez em 1842, em dois volumes, e que teve seis edições entre 1842 e 1890. Reúne indicações elementares sobre doenças e práticas curativas comuns na época em questão. De origem polonesa e formado pela Universidade de Monpellier, o autor de obra chegou ao Rio de Janeiro em 1840 como médico da Missão Francesa, onde permaneceu durante 15 anos. (http://www.ieb.usp.br/online/index.asp) Para quem tiver interesse sobre o tema, consulte os textos de: Maria Regina Cotrim Guimarães <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12n2/16.pdf> e Viviane Santos <http://www.hebron.com.br/Revista/n33/materia1.htm>.
[2] FRANCO, Sérgio da Costa. Santa Casa 200 Anos: caridade e ciência. Porto Alegre: ISCMPA, 2003, p. 61.